Tornei-me a zombaria de todo dia, todos
se riem de mim. Sempre que abro a boca é para protestar! Vivo reclamando da
violência e da opressão! A palavra de Deus tornou-se para mim vergonha e
gozação todo dia.
Pensei: ‘Nunca mais hei de lembrá-lo, não
falo mais em seu nome!’ Mas parecia haver um fogo a queimar-me por dentro,
fechado em meus ossos. Tentei agüentar, não fui capaz.”
(Jeremias 20, 7-9)
Há
alguns anos atrás (dois, se bem me lembro) aconteceu aqui na minha cidade uma
tarde vocacional promovida pela comunidade de vida que morava aqui, Comunidade
Nova Aliança. Eu estava, para variar, numa das minhas crises de negação em
aceitar a vontade de Deus na minha vida. Eu sabia o que Ele me pedia, mas não
queria aceitar, não queria assumir isso em mim, achava que poderia mudar a
vontade Dele, mudar os sonhos que Ele tinha para mim. Fui a esse encontro sem
vontade alguma, fechada, já me preparando para dizer não a qualquer coisa que o
Senhor me inspirasse. Como a comunidade onde aconteceu o encontro não era
grande, o mesmo foi feito dentro da igreja. Sentei-me bem em frente do
Sacrário, cara a cara com Jesus. Lembro bem desse dia, de tão forte que foi a
experiência que contarei.
O
encontro começou, e a primeira pregação foi sobre a vida leiga. Ok, não prestei
muita atenção por já travar uma batalha interior com o Senhor que gritava
dentro de mim. Antes do inicio da segunda pregação, olhei para o Sacrário e
disse a frase que nunca imaginei dizer: “Não quero, Senhor, seguir a sua
vontade, não quero e não vou abrir mão da minha vida pra cumprir o que o Senhor
quer. Vou te servir, mas quieta no meu canto, não quero mais mudanças na minha
vida. Se o Senhor realmente quiser que eu cumpra o Seu chamado, terás que me
obrigar!” Eu disse isso com uma certeza tão grande de que Ele me deixaria
quieta, afinal eu tinha dado uma resposta, tinha dado o meu “não” a Ele,
consciente do que isso significava. Veio a segunda pregação e com ela a
resposta de Deus. A primeira coisa que o rapaz fez foi ler essa passagem, e,
enquanto ele lia, em meu coração se cumpria aquilo que o profeta Jeremias
escreveu. Um fogo queimava-me por dentro, tão forte que até para respirar era
complicado. Um fogo que, assim como diz na passagem queimava por dentro dos
meus ossos, daquilo que me sustentava, da minha falsa certeza de ter poder de
me recusar a Deus. Foi algo que por mais que tente explicar, não há como, de
tão intenso e interior que foi. Só sei dizer que não prestei atenção em mais
nada, a batalha acontecia dentro de mim e minha resistência só me fazia sofrer
sem razão, pois obviamente o Senhor ganharia. Na minha infinita teimosia ainda
tentava resistir quando, por algum motivo que desconheço, o rapaz que pregava
pediu para cantarem essa música:
Seduziste-me Senhor, e eu me deixei
seduzir
Dominaste o meu ser e tiveste o triunfo
Bem que eu tentei relutar, os Teus planos
rejeitar
Mas seduziste-me Senhor, o Teu Amor foi
bem mais forte
Penetrou meu coração, quero viver só pra
Te amar
É por amor que venho Te adorar
É por amor que quero me entregar a Ti
É por amor que quero Tua vontade
É por amor que hoje estou aqui
Mas ao provar da Tua Cruz eu quis
desistir
Quando provei da Tua dor, de Ti eu quis
fugir
Bem que eu tentei relutar, os Teus planos
rejeitar
Mas seduziste-me Senhor, o Teu Amor foi
bem mais forte
Penetrou meu coração, quero viver só pra
Te amar
É por amor que venho Te adorar
É por amor que quero me entregar a Ti
É por amor que quero Tua vontade
É por amor que hoje estou aqui
Deus, Tu és Santo, vencedor
Ó Deus, tira de mim todo temor
Ó Deus, vou te seguir mesmo na dor
Ó Deus, dou minha vida por amor
Não
teve como não entender que não adiantava eu resistir, que só iria me machucar e
machucar aqueles a minha volta. Deus me falava claramente que eu, Michele, não
tinha escolha, Ele me amava e ama tanto que não desistiria de mim, e do que Ele
sabia ser o que eu precisava viver. Ele não ia contra a minha liberdade, apenas
me lembrava que toda escolha tem conseqüências e que Ele lutaria até o fim por
mim. E essa confirmação veio quando, ao final dessa pregação, se não me engano,
o rapaz leu outra passagem:
“Pois és muito precioso para mim, e mesmo
que seja alto o teu preço, é a ti que eu quero!
Para te comprar, eu dou, seja quem for;
entrego nações, pra te conquistar!
Não tenhas medo, estou contigo!” (Isaías
43, 4-5)
Depois
disso nem tentei lutar mais, o que sentia era um misto de um sentir-se
profundamente e incomparavelmente amada por Deus e um esgotamento por tentar
lutar contra isso. Na época, entendi que o Senhor me chamava a uma determinada
vocação, vocação que tentei fugir durante quase seis anos. Resolvi fazer a
experiência de dizer meu SIM total a Ele, a viver essa vocação. E assim foi
durante um ano e três meses, tempo em que o Senhor usou para me fazer crescer
na fé, na vida pessoal e no entendimento do que Ele me pedia. Como aprendi a me
abrir para acolher a vontade Dele na minha vida, aceitei, mesmo sem entender
muito, que essa não era minha vocação.
Claro
que os questionamentos ficaram. Por que me enviar tantos sinais, em especial
nesse dia que contei, se não era essa a vontade Dele? Por que essa batalha tão
grande se no final acabaria por voltar ao mesmo lugar de onde saí? Mesmo tendo
certeza de que fiz a escolha certa, as perguntas ficaram.
Hoje,
ao ver essa leitura na missa, ao proclamá-la, senti que Deus me falaria algo
novamente por ela. E a resposta foi clara e tão delicada que as lágrimas não
resistiram em cair. Ele precisava me seduzir, precisava que eu fosse até lá
para aprender a ser totalmente Dele, a não oferecer mais resistências, a
esperar o Seu tempo, respeitar os Seus meios. Se hoje eu estou preparada pra
enfrentar muita coisa é porque tive a oportunidade de viver esse tempo que Ele
me proporcionou.
Deus
tem os meios dele de nos conduzir por seus caminhos, pra nos levar até a Sua
vontade. Às vezes não entendemos, não aceitamos, fugimos e sofremos. Mas, no
fundo, sabemos que de nada adianta resistir a Deus tão bondoso. Como dizer
“não” a amor tão grande que não desiste de nós? Como fugir de um amor que é tão
grande a ponto de morrer por nós na Cruz?
Sim,
Ele me seduziu, eu me deixei seduzir e agora não tenho outro desejo se não amar
a Deus em cada momento, em cada passo. Desejo de cumprir Sua vontade em minha
vida, seja ela qual for. Desejo de ir até o fim do mundo se for preciso para
realizar os planos de Deus em minha vida. Não me importo em esperar, em sofrer,
em chorar, em me alegrar, em carregar a minha cruz, pois sei que Ele me ama
acima de tudo isso e me sustentará a cada passo, a cada dia, a cada sim que, na
minha condição fraca de ser humano, eu conseguir dar. E peço a Ele que continue
a ser esse fogo abrasador que ainda queima aqui dentro de mim, me lembrando que
a Ele pertenço e que a santidade é o meu destino.
Com carinho e orações
Michele Cristina Pacheco
Escrava inútil de Jesus por Maria
31 de agosto de 2014
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